O itinerário, que vai de Oviedo a Santiago seguindo os passos de Afonso II,faz um percurso pela origem da rota jacobeia, a história da Galiza e alguns dos lugares naturais mais belos da montanha de Lugo
10 nov 2022 . Actualizado a las 13:48 h.Quem foi a primeira pessoa em peregrinar até Santiago? Responder a essa pergunta é tão complexo que nem os especialistas na matéria poderiam dar um nome exato. Em qualquer dos casos, de acordo com a tradição jacobeia — embora sem rastos documentais— foi o rei Afonso II quem primeiro lá chegou depois do aparecimento dos restos mortais do apóstolo. Daí o seu trajeto desde Oviedo, onde se encontrava a sua residência real no século IX, ser conhecido como o Caminho Primitivo. Segui-lo permite fazer um percurso pela origem da rota jacobeia, a história da Galiza e algum dos lugares naturais mais belos da montanha de Lugo.
É um dos itinerários mais duros em termos físicos, devido a facto de atravessar boa parte da cordilheira asturiana e da montanha de Lugo, mas o esforço é recompensado pela paisagem e a natureza que o rodeia. Permite descobrir sítios de sonho e um património histórico que tem em Lugo o seu máximo esplendor. A cidade amuralhada é, de facto, o ponto de partida para quem apenas quer fazer os últimos 100 quilómetros da rota. No entanto, o mais recomendável é percorrê-la inteira e com tempo para poder fazer paragens ou desviar-se do trilho, visto que há tesouros ocultos para além das setas amarelas.
Castelo de A Pobra de Burón
O Caminho Primitivo entra na Galiza através do Alto do Acevo, um monte erguido 1.100 metros acima do nível do mar e que pertence ao município de A Fonsagrada. É precisamente pouco antes de chegar ao seu núcleo urbano onde se encontra a primeira bifurcação na rota, na paroquia de Paradanova. Embora a maioria dos peregrinos opte por continuar até à capital da comarca, existe uma variante que passa pela que antigamente tinha esse estatuto: A Pobra de Burón. Rodeada de natureza, esta alternativa permite conhecer o encanto paisagístico da rota e o património da localidade. A Pobra de Burón apresenta uma importante história jacobeia. Até chegou a ter quatro hospitais para atender os peregrinos e os vestígios do castelo dos condes de Altamira. Também apresenta um interessante mapa de ruas com nomes como Fidel Castro, Mao Tsé-tung ou marechal Zhúkov.
Seimeira de Vilagocende
As montanhas de Lugo guardam tesouros como a cascata mais alta da Galiza. Situada no município de A Fonsagrada, a Seimeira —é o nome que dão às cascatas nesta zona— de Vilagocende apresenta uma queda de 54 metros de altura. Refrescar-se na poça que se forma aos seus pés, desfrutar da beleza do lugar ou simplesmente admirar o espetáculo que esta joia natural oferece são razões suficientes para se desviar do percurso do Caminho. Além disso, chegar até este sítio permite descobrir a fauna e a flora autóctones dos bosques de ribeira. O rio Porteliña de facto serpenteia e salta marginado de árvores como os carvalhos ou pinheiros.
Fraga da Marronda
Se o que quiser for descobrir os bosques autóctones, um dos melhores exemplos encontra-se a poucos quilómetros de distância. A Fraga da Marronda, em Baleira, acolhe mais de 170 espécies vegetais, como carvalhos, castanheiros, azevinhos, aveleiras, bétulas ou mirtilos. Mas se há uma que se destaca pela sua singularidade é a faia. Este paraíso natural serve de limite da espécie a sudoeste da Europa e é uma das suas principais reservas. Visitar este lugar é também uma oportunidade para conhecer os seus habitantes, como javalis, raposas, lobos, esquilos e até falcões peregrinos. Além disso também tem duas cascatas: Acea da Serra e Pozo da Ferrería.
Ruínas de Soutomerille
Oculta entre a vegetação, encontra-se também a aldeia de Soutomerille, na municipalidade de Castroverde. Um sítio onde o verde da hera mistura-se com o cinza da pedra para criar uma atmosfera ao mesmo tempo mágica e fantasmagórica. Quatro casas que pertenceram a famílias abastadas, uma igreja pré-românica e um pequeno cemitério conformam a aldeia. Embora esteja abandonada há décadas, as suas ruínas são uma joia patrimonial devido à história que guardam entre as suas paredes. De facto, muitos peregrinos medievais deixaram aí as suas pegadas, na esperança de algum dos contemporâneos decidir se desviar um pouco do Caminho e visitar uma época que ficou congelada no tempo.
Muralha de Lugo
O estado de abandono de Soutomerille contrasta com a boa conservação que mostra o monumento mais conhecido de Lugo. A sua muralha é a única da época romana que conserva o seu perímetro completo. Está há 17 séculos em pé e, embora tenha sido construída para fins defensivos, na atualidade oferece um agradável passeio com vistas para o centro histórico. Declarada Património da Humanidade pela Unesco, conserva ainda 71 das 85 torres que chegou a ter e tem dez portas que foram abertas em diferentes momentos da sua história. Cada uma delas é uma obra de arte em si e, entre as que mais se destacam, encontramos a de São Pedro, que serve de entrada ao Caminho Primitivo.
Catedral de Lugo
Lugo também foi um ponto importante para a Igreja. Basta percorrer o centro histórico para encontrar templos, conventos ou seminários de todas as épocas e estilos artísticos. Mas, se for preciso destacar um, é a catedral. Construída entre o século XII e XIII, a sua mistura de estilos arquitetónicos é uma autêntica viagem pela história da arte. Do românico da sua planta ao neoclássico da sua fachada, passando pelo gótico do seu deambulatório ou o barroco do claustro. Além disso, conserva tesouros como o Santíssimo Sacramento, nome dado à representação do cálice e da hóstia. De facto, é o único templo no mundo em que esta imagem pode ficar exposta de forma permanente. Uma paragem obrigatória para os peregrinos do Caminho Primitivo, que podem visitar assim três das principais catedrais do norte peninsular, juntamente com a de Oviedo e a de Santiago.
Templo de Santalla de Bóveda
Sem sair da municipalidade de Lugo, há outro templo digno de ser visitado. Santalla de Bóveda —ou Santa Eulalia de Bóveda— foi objetos de constantes investigações desde que foi descoberto em 1926. Os últimos estudos situam a sua construção na era tardo- romana, no século IV. Por isso, as principais hipóteses sobre a sua origem sugerem que se tratava de um templo pagão da época romana, posteriormente reconvertido ao culto cristão. No entanto, o elemento mais famoso do monumento, os frescos que enfeitam o seu interior, foram pintados no século VII, dizem os últimos estudos. Como este, são muitos os mistérios e as incógnitas que rodeiam o edifício. Quer tentar decifrá-los?
O cruzeiro mais antigo da Galiza
O Caminho Primitivo conflui com o Francês em Melide. E com cruzamento de caminhos tem a ver uma das joias históricas que ali se encontram. Nem mais nem menos do que o cruzeiro mais antigo da Galiza, de acordo com os escritos de Castelao. De estilo gótico, este monumento do século XIV dá as boas-vindas aos peregrinos que chegam pelo caminho francês. Não há desculpa para não o procurar!
Fonte de Santa Irene
O Caminho Primitivo, além de ser um passeio pelas origens da rota jacobeia e a sua história, é um percurso pelos mitos que a rodeiam. Os poderes mágicos que se atribuem à fonte de Santa Irene, situada na municipalidade de O Pino, são exemplo disso, a uma etapa de distância da catedral. Conta a lenda que quem lavar a cara na sua água irá gozar de eterna juventude. Gostava de experimentar? Nesse caso, nem terá de se desviar do caminho. Basta fazer uma paragem nele.
Criaturas mitológicas do Monte Viso
A magia volta a estar presente às portas de Santiago. O Monte Viso, situado perto da entrada do Caminho pelo Monte do Gozo, foi reconvertido numa espécie de parque temático com a construção de um trilho mitológico no final do ano 2020. Foi habitado, a partir daí, por estatuas de criaturas fantásticas próprias da tradição oral galega. De mouros a meigas, passando pela coca —um dragão— ou o próprio Breogán, acompanham a passagem dos peregrinos que decidam lá desfrutar das vistas para a catedral, que aguarda a sua chegada.