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O escultor ermita de Cristosende: «A Ribeira Sacra inspira-me; é um lugar para saborear o tempo, como um vinho»

MARÍA SALGADO / tradução: MARCOS RANDULFE LA VOZ

VEN A GALICIA

El escultor Noel Pérez Falagan, en la aldea de Cristosende
El escultor Noel Pérez Falagan, en la aldea de Cristosende

As impressionantes vistas do rio Sil entre ladeiras de vinhedos fazem desta isolada aldeia de Ourense um paraíso para os que fogem do asfalto e do ruído da cidade, e para os artesãos e os artistas

29 jun 2023 . Actualizado a las 19:36 h.

Sentar-se na Pena da Penalba para ver o amanhecer como se fosse um quadro vivo. Os primeiros raios do sol descobrem as águas imóveis e brilhantes do Sil, e a cor verde dos socalcos de vides que sobem desde o rio quase até tocar as nuvens, com o canto das andorinhas a romper o monumental silêncio. Cristosende, uma aldeia escondida na Ribeira Sacra de Ourense, com apenas três dezenas de moradores e as vistas mais cativantes do Sil entre vinhedos, é o lar do escultor Noel Pérez Falagan (Vigo, 1975). Viveu em Itália, França, Reino Unido e Holanda, mas desde há 15 anos reside neste paraíso do interior da Galiza, onde crescem as melhores uvas, castanhas e cerejas. «Sou ermita e introvertido, para mim, o isolamento é, portanto, uma vantagem. A Ribeira Sacra inspira-me; é um lugar para saborear o tempo, como o vinho», confessa.

Decidido a abandonar o seu Vigo natal onde não se podia permitir pagar um local para trabalhar e instalar o seu ateliê, andou seis anos à procura de casa em zonas rurais, com a sua companheira, Ana. «Fomos ver uma quinta em Ferreira de Pantón quando descobrimos este lugar; ficamos apaixonados pelo lugar e não nos preocupava o isolamento. A casa nem tinha casa de banho e o terreno era uma selva; as nossas famílias riam-se, mas a nossa decisão foi imediata», recorda. Ao chegar a Cristosende, os vizinhos receberam-nos muito bem e ajudaram-nos naquilo que podiam, mas Noel acha que os autóctones achavam estranho que um casal de urbanistas se instalasse num lugar de onde as pessoas costumam partir. «Eramos os estranhos, os marcianos, os hippies», diz.

El escultor Noel Pérez Falagan
El escultor Noel Pérez Falagan

Define-se como artesão autodidata embora tenha chegado a estudar em Florença com uma bolsa Leonardo da Vinci. Filho de uma família humilde e numerosa, abandonou os estudos no 12ª ano e começou a trabalhar. Aos 30 e depois de fazer trabalhos de decoração, decidiu entrar para uma escola de canteiros de Poio, onde apenas permaneceu um ano; depois foi para a escola de mármore de Almería, tirando lá o curso de artesão, entalhador e extração em pedra. «Fiz de tudo, desde fazer explodir a montanha e extrair mármore, até colunas, decoração e ornamentação», indica. Foi aí que lhe foi concedida uma bolsa para estudar italiano em Florença. De lá foi para Carrara para trabalhar com os irmãos Paolo e Torri, e depois com um mestre veneziano que preparava uma exposição de escultura. «Quando regressei a Vigo, quis assentar como escultor, mas não havia locais de rés do chão em condições que pudesse pagar. Procurei então empregos como operador de maquinas», explica.

A etapa cristosendiana começou no dia em que ele e a companheira se apaixonaram por uma velha casa de pedra na encosta da aldeia. «Fiz um voto de fé e dediquei-me durante sete anos a reformar a casa, graças à Ana, que continuava a trabalhar fora. Às vezes ajudavam-me pedreiros, mas a 60% a casa foi reparada por nós», afirma. Começou a fazer trabalhos de escultura e artesanato, mas percebeu muito rápido que tinha de trocar a pedra pela madeira. «É o material que há na Ribeira Sacra; nunca o tinha trabalhado e tive de começar do zero. Aprendi a distinguir os tipos de madeira, a cortá-la e secá-la», recorda. A sua favorita é o buxo, embora também use as madeiras da zona, como a cerejeira, castanheiro, pereira, abrunheiro e sobreiro. Depois lançou o seu negócio de artesanato, Riomao Estudio Creativo, que é hoje o seu único meio de vida. Desenha joalharia e bijutaria de madeira, contraplacado e metacrilato, murais, trabalhos de decoração, ilustrações e artigos de promoção da Ribeira Sacra. Pouco a pouco foi ampliando os seus pontos de venda, na Casa Grande de Cristosende, o Castelo de Castro Caldelas, em Luintra, Vigo e na Adega Vella de Abeleda. «Aquilo que mais me agrada desta profissão é a parte artística porque o artesanato para o público é mais limitado. A minha única capacidade destacada é a criatividade. A arte e o artesanato se não forem partilhados, perdem-se, porque o importante é aquilo que se transmite através da escultura», indica o artesão, que já tem pronta uma exposição de dez trabalhos em pedra, mas ainda procura uma plataforma que o apoie.

Pérez Falagan, con una de sus esculturas
Pérez Falagan, con una de sus esculturas

«Guio-me pelo ritmo da vida, que te vai dando a oportunidade, mas é preciso estar preparado para aproveitar essa oportunidade», diz Noel, que vive sem televisão, com a sua lareira, os seus livros, a sua horta, o seu can de palleiro, Mao, e quatro ovelhas que lhe cortam a relva. «A Ribeira Sacra é um sítio excecional; o contacto com a natureza é muito inspirador porque imaginas como foram as origens do ser humano vivendo ao ritmo das estações. Da única coisa que me arrependo é de não ter tomado antes a decisão de viver aqui», confessa o escultor ermita de Cristosende.