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O Caminho de Santiago para idosos: «Não é a idade, é a condição física e mental a que faz a diferença»

REBECA CORDOBÉS

VEN A GALICIA

M.MORALEJO

A fisioterapeuta Vanesa López explica as recomendações para desfrutar das rotas jacobeias, seja qual for o seu ano de nascimento

24 jun 2022 . Actualizado a las 05:00 h.

«Há uns meses atrás, detetaram-me um problema de coração. Disseram-me que tinha de ser operada e que não podia fazer esforço nenhum. E aqui estou eu. Esta é a minha terceira etapa e sinto-me muito bem», diz Isha Imelda Miranda, de 67 anos. Saiu de Triacastela na quarta-feira num grupo de 45 peregrinos provenientes do México e, embora se considere uma pessoa de idade, chegou a Palas de Rei na sexta-feira sem mais problema do que tomar a medicação e controlar o esforço.

Como ela, são muitas as pessoas de idade que se atrevem a percorrer as rotas jacobeias. Sem ir mais longe, mais de metade dos peregrinos do seu grupo «são da terceira idade», diz o Ricardo, o guia que os acompanha nesta viagem. Mas são uma exceção ou realmente qualquer pessoa pode fazer o Caminho de Santiago? «Não é a idade, é a condição física e mental a que faz a diferença», indica a fisioterapeuta Vanesa López Miguens que, juntamente com a agência especializada SantiagoWays, dá as chaves e dicas para desfrutar da experiência sem se focalizar no ano de nascimento.

Pode-se fazer o Caminho a qualquer idade?

«Se uma pessoa de 70 anos se mantiver totalmente ativa, as expectativas são mais otimistas do que para uma pessoa de 40 anos sedentária», explica Vanesa López. «É de facto encorajador saber que mesmo sem ser muito ativo fisicamente é sempre o momento certo para se iniciar, visto que existe evidência científica de que as melhorias a todos os níveis são espetaculares e valem a pena, mesmo começando a fazer exercício aos 80 anos», acrescenta.

Modesta, Isha Imelda, Diana, Reina e Manuela juntamente com Ricardo, seu guia no Caminho de Santiago, no final da etapa em Palas de Rei.
Modesta, Isha Imelda, Diana, Reina e Manuela juntamente com Ricardo, seu guia no Caminho de Santiago, no final da etapa em Palas de Rei. Rebeca Cordobés

A prova está nas mulheres que acompanham a Isha Imelda no final da etapa. Reina Cristóbal, Modesta Olivares e as irmãs Manuela e Diana Barrionuevo são quatro das peregrinas mais velhas do grupo, mas desfrutam tanto como o resto da «magia do Caminho», diz a Diana. Ela decidiu fazer a etapa entre Portomarín e Palas de Rei sozinha, algo que não foi um problema para o grupo, visto que uma das chaves para já ter realizado três etapas sem qualquer lesão é que «cada pessoa deve ir ao seu ritmo», explica o Ricardo.

Embora a idade não seja um fator determinante, a Vanesa López salienta que existem alterações fisiológicas a ter em conta. «O exercício deve estar adaptado às necessidades da pessoa, às suas condições de saúde e devem-se ter em conta fatores como o tipo de atividade a realizar, a duração, a velocidade, frequência e intensidade», resume.

«Independentemente da idade, é fundamental a pessoa ouvir e conhecer o seu corpo, a sua frequência cardíaca e a sensação de cansaço para poder definir objetivos e expetativas reais durante o Caminho», explica. Além disso, recomenda consultar o médico no caso de existirem patologias prévias, tanto para conhecer o estado de saúde como se for necessário ter em conta alguma indicação concreta ou até uma alteração de medicação.

Quanto à condição física, recomenda visitar um fisioterapeuta com uma antecedência de pelo menos três meses «para poder avaliar se existem interferências músculo-esqueléticas e dispor de tempo suficiente para, caso seja necessário, gerar adaptações e melhorias no estado de saúde que lhe permitam desfrutar do Caminho com total segurança».

Peregrinos na Praza do Obradoiro
Peregrinos na Praza do Obradoiro Sandra Alonso

Foi o conselho que seguiu Manuela Barrionuevo, com 64 anos e mais duas rotas jacobeias já feitas. «Tenho artrose de grau quatro e pensei não vir, mas fizeram-me infiltrações nos joelhos e aí começou o meu Caminho. Na primeira etapa cheguei mais tarde, mas acabei. Penso em tudo o que me tinham dito, que estava doente, que não podia... Nem eu própria me sentia capaz pela idade. Mas aqui estou eu», diz ela toda feliz.

Preparação física

Um dos passos fundamentais para fazer o Caminho é a preparação física, que no caso das pessoas de mais idade é indispensável. «Se não estivermos muito habituados a fazer longas distâncias, é melhor começar com passeios curtos, e ir aumentando progressivamente e, se for possível, fazer caminhadas pelo monte para nos habituarmos às subidas e descidas», indica Vanesa López.

«O mesmo ocorre de bicicleta, começar pouco a pouco, rolando ao princípio para depois alternar zonas planas com subidas, adaptando pinhões conforme o perfil», acrescenta. Além de fortalecer os músculos das pernas, costas e pescoço, o objetivo destes exercícios é dominar a distância planificada para cada etapa.

O uso de bengalas é uma das recomendações para os peregrinos mais idosos.
O uso de bengalas é uma das recomendações para os peregrinos mais idosos. CAPOTILLO

Planificação: etapas, alojamento e outros serviços

A planificação é, de facto, outro dos passos imprescindíveis para a fisioterapeuta. «É diferente programar o Caminho começando em Roncesvalles ou em Tui, mas em termos gerais, o recomendável para pessoas de idade são etapas de 15 ou 17 quilómetros a pé e de 40 ou 50 quilómetros de bicicleta», indica. Em qualquer dos casos, avisa que há trechos e itinerários mais difíceis do que outros.

Sobre a rota ideal, há tantas opiniões como peregrinos, mas na SantiagoWays apontam para o Caminho Francês começando em Sarria: «Tem muita tradição, oferece mais serviços e é bastante plano». Na agência, estão habituados a personalizar a experiência e, sobre a possibilidade de dividir etapas, indicam que o fazem a pedido dos clientes. «A quem tem dúvidas recomendamos reduzi-las. No caso dos idosos, depende da sua condição física, mas costumam pedi-lo», comenta.

Quanto ao tipo de alojamento, nesta agência recomendam os hotéis. «Os peregrinos de mais idade costumam pedi-lo para poder desfrutar do Caminho com conforto, embora dependa da pessoa», explicam. Outro dos serviços que recomendam às pessoas de idade é o transporte da mochila.

Tanto a SantiagoWays como a maioria das agências oferecem um serviço de atendimento 24 horas. «Saber que tens um telefone de informação e um veículo de emergência dá muita tranquilidade. Para as pessoas menos ágeis com a internet, estar a uma chamada de distância é importante», explica.

Recomendações durante o Caminho

Após ter planificado a rota e ter treinado o suficiente, chega o momento de calçar as botas, e sempre que tenham sido usadas! Tanto a Vanesa López como na SantiagoWays lembram a todos os peregrinos, independentemente da idade, que nunca se deve estriar calçado no Caminho. Sobre o cuidado dos pés, a fisioterapeuta recomenda refrescá-los de vez em quando numa fonte, «tendo o cuidado de os secar bem». Um conselho que, sem saber, a Manuela aplicou e mostra com orgulho na galeria do seu telemóvel.

Outra das zonas do corpo às quais se deve prestar especial atenção é a das costas. Para quem decida prescindir do serviço de transporte de mochila, é importante «adaptá-la bem ao contorno das costas, evitando demasiada folga ou compressão» e com o peso «perto do eixo do corpo e do seu centro de gravidade», explica Vanesa López.

A fisioterapeuta também aconselha a utilização de cajados e bastões para aumentar a estabilidade e ajudar nos desníveis. Na SantiagoWays recomendam «experimentar antes a medida do bastão e ver se o corpo se adapta à sua utilização», visto que se for demasiado complicado caminhar com ele, não será útil.

Os descansos são outro dos pontos fundamentais durante a etapa. «É preciso descansar quando não estivermos excessivamente cansados para ter uma boa recuperação; se chegarmos ao esgotamento, a recuperação será muito mais lenta e problemática», explica a Vanesa, que está até a favor de parar um dia completo por semana nos trajetos longos. «Para evitar o cansaço muscular, beber muito líquido, inclusive uma bebida energética para repor os sais minerais perdidos», acrescenta.

A hidratação é, de facto, um fator fundamental «antes, durante e depois de caminhar», lembra. O ideal seria beber dois litros de água por dia. Tomar o equivalente a um copo de água cada 40 minutos, «mesmo sem ter ainda sede», pode ser uma forma de controlar a quantidade.

Um grupo de peregrinos descansa à sombra no Monte do Gozo.
Um grupo de peregrinos descansa à sombra no Monte do Gozo. PACO RODRÍGUEZ

Mas, naquilo que as cinco peregrinas mexicanas concordam é que se trata de um esforço «mais mental do que físico». Para a Diana, de 62 anos, a melhor forma de suportar o cansaço é não olhar para o caminho, mas sim focar-se «na natureza e na paisagem». Para a Modesta, de 54 anos, é ouvir o som do vento e dos pássaros.

O que fazer em caso de lesão

Apesar da preparação prévia e das precauções durante o trajeto, qualquer peregrino pode ter lesões. A tendinite, as entorses e a artrite traumática são as mais frequentes. Vanesa López explica como evitá-las e como atuar no caso de aparecerem.

Para a tendinite, mais conhecida como esticão muscular, a perita recomenda «aplicar frio local para evitar a inflamação e a dor, lembrando, no caso de aplicar gelo, não o fazer diretamente sobre a pele e introduzir um papel ou tecido para evitar as queimaduras». A tendinite mais frequente em peregrinos é a que afeta o tendão de Aquiles, sendo recomendável fazer alongamentos antes de começar a caminhar e não apertar demasiado as botas, no caso de o cano chegar ao tornozelo.

Em caso de entorse, «se houver rutura de ligamento, a aplicação de gelo sobre a parte dorida e um a dois dias de descanso costumam ser suficientes para poder continuar», explica a especialista. Para evitar esta lesão, o foco deve ser colocado no peso da mochila e em botas que seguram bem o tornozelo.

As artrites traumáticas, explica, são pequenos traumatismos que se produzem sobre as articulações, principalmente nos joelhos, e limitam a mobilidade. Como costumam aparecer após as descidas longas com o peso da mochila, recomenda programar etapas mais curtas. No caso de se produzir a lesão, deve ser tratada com frio.

Um grupo de peregrinos refresca os pés num lavatório em Caldas de Reis.
Um grupo de peregrinos refresca os pés num lavatório em Caldas de Reis. CAPOTILLO

Em qualquer caso, se surgir algum problema ou lesão, «o mais aconselhável é consultar o fisioterapeuta mais próximo», indica Vanesa López. A Ordem Oficial dos Fisioterapeutas da Galiza, dispõe de um guia de centros de fisioterapia no Caminho de Santiago.

Os benefícios do Caminho

Tirando as lesões, que não devem necessariamente acontecer, e senão perguntem ao grupo de 45 peregrinos «sem lesões e sem qualquer bolha», o Caminho pode ser benéfico para o corpo. Vanesa López lembra que se trata de exercício, portanto, «melhora a capacidade respiratória, a mobilidade, a flexibilidade, a agilidade, o equilíbrio, a postura, a coordenação, a firmeza e força muscular, além de regular a tensão arterial e evitar muitas doenças, assim como a fragilidade e a sarcopenia que são dois síndromes associados à idade, preditores da invalidez e que consistem na perda de força, de resistência, de massa muscular e na diminuição da função fisiológica».

«É uma boa ocasião para libertar tensões acumuladas, desligar da rotina, socializar, realizar exercício e aproximar-se da natureza, que traz grandes benefícios e a oxigenação pulmonar e mental estão garantidas», conclui a fisioterapeuta. Reina Cristóbal, com os olhos cheios de emoção, confirma: «É a primeira vez que viajo de avião e a primeira vez que vou para outro país. É tudo maravilhoso. É Caminho é magia».

Técnicas para caminhar, da Vanesa López Miguens

  • Antes de começar: alongar os gémeos, quadríceps e isquiotibiais.
  • Começar a caminhar de vagar até o corpo aquecer.
  • Descansar cada 1 ou 2 horas.
  • Manter um ritmo confortável: que permita sem qualquer tipo de esforço poder manter uma conversa e não seguir alguém que tenha um ritmo mais rápido.
  • Nas subidas: os passos devem ser mais curtos e o ritmo mais lento, despertar o cinto da mochila para poder respirar melhor e apoiar o pé com a totalidade da planta no chão.
  • Nas descidas: se o terreno o permitir, passo longo e rápido, apoiando bem os talões e apertando um pouco mais a mochila na cintura.
  • Em terrenos acidentados: devemos estar bem atentos, cada passo conta.