A empresa de bicicletas Tuvalum e a agência de viagens Tee Travel partilham todas as chaves para se tornar bicigrino
08 jul 2022 . Actualizado a las 05:00 h.O que têm em comum Ronaldo e David Bisbal? Uma pista: duas rodas e um percurso com setas amarelas. Certo, os dois fizeram o Caminho de Santiago de bicicleta. Enquanto o cantor o fez em 2009, o ex-futebolista brasileiro foi a última estrela em juntar-se ao clube dos bicigrinos. Um grupo que nos últimos anos representa 6% das chegadas à catedral. Desde o princípio do ano, já chegaram quase 5.000 pessoas ao Obradoiro a pedalar. Quer juntar-se a esta moda? A empresa de bicicletas Tuvalum e a agência especializada Tee Travel dão-nos as chaves: que bicicleta escolher, que material é necessário, como treinar, como planificar a rota... Pegue no capacete e siga-nos!
Antes de começar, há um dado que qualquer bicigrino que queira obter a compostela deve saber. O requisito necessário para obter o certificado, que acredita a realização do Caminho de Santiago, é ter realizado os últimos 200 quilómetros de alguma das rotas oficiais, em vez dos 100 quilómetros exigidos aos peregrinos a pé. Além disso, as bicicletas elétricas ou e-bikes ficam excluídas, conforme informa o Balcão do Peregrino.
Que bicicleta escolher
Ismael Labrador, fundador da Tuvalum, recomenda optar pelas bicicletas de gravel ou de trekkíng. As primeiras são «parecidas às de estrada, mas estão adaptadas para circular por trechos sem asfalto». As segundas estão preparadas para as distâncias longas, «costumam ser mais confortáveis e permitem colocar alforges», resume.
O que fazer se não tiver uma bicicleta com estas características? O especialista avisa do erro de optar por uma variedade com rodas lisas, visto que «o terreno não é de estrada, e pode ser escorregadio, não é confortável nem eficiente». Por sorte, o boom dos bicigrinos fez que nascessem empresas que oferecem o serviço de aluguer de bicicletas, tanto normais como elétricas. Uma modalidade que na Tee Travel recomendam a qualquer pessoa que não estiver habituada a fazer longas distâncias de bicicleta.
O kit do bicigrino: que material é necessário e como levá-lo
Além da bicicleta, há uma série de elementos que todo bicigrino deveria levar. O primeiro e imprescindível é o capacete. Quanto à roupa, o mais recomendável é optar por roupa de ciclista. «O ideal é uma T-shirt e calções de ciclista com proteção ao ter de passar muitas horas sentado», explica Ismael Labrador. Para quem não dispõe deste material e preferir aproveitar o que tem no armário, é importante escolher roupa justada «para não se prender na corrente», acrescentam na Tee Travel.
Quanto ao calçado, embora a agência de viagem frise que depende do conforto que procurar cada bicigrino, na Tuvalum recomendam usar calçado de bicicleta: «O pé fica unido ao pedal, é muito mais confortável, a pedalada vai ser mais eficiente e vai evitar lesões». Também é recomendável levar um corta-vento para as horas mais frias, uma capa para a chuva, luvas para bicicleta, creme solar e, para quem precisar, óculos de sol de desporto.
Além do que levar vestido e da bagagem habitual de qualquer peregrino, que deve ser a mínima possível, fazer o Caminho de bicicleta requer levar material específico. «Um par de câmaras —para as rodas— sobresselentes, um kit de reparação de furos, uma botija pequena de CO2 e um kit de ferramentas básicas», resume Ismael Labrador. «São kits muito pequenos que cabem em qualquer bolso e podem ser colocados debaixo do selim», acrescenta.
Como levar a bagagem? Os alforges são a solução tradicional. Devem ser colocados na roda traseira, atrás do selim, repartindo o material em dois «para o peso ficar equilibrado», indica Labrador. «Também existem sacos de acessórios que podem ser pendurados no quadro da bicicleta», acrescenta. Na Tee Travel, onde dispõem de uma oferta de aluguer de alforges, explicam que cada vez são mais os peregrinos que deixam de os usar e optam por contratar o serviço de transporte de mochilas.
Planificação: que rota escolher e como dividir as etapas
Para planificar o Caminho de bicicleta, o mais importante é informar-se dos serviços disponíveis ao longo de cada etapa. Por exemplo, é importante confirmar se na aldeia onde se prevê dormir há uma oficina no caso de ser necessário resolver alguma avaria. Em termos de alojamento, tanto na Tuvalum como na Tee Travel recomendam procurar os que entram na categoria bike friendly. Costumam ter um local seguro onde arrumar a bicicleta e até lavá-la ao fim do dia.
Quanto à rota a escolher, na Tee Travel recomendam aos bicigrinos principiantes optar pelo Caminho Francês, o Português ou a sua variante da costa, visto que não apresentam grandes desníveis e estão bem sinalizados. «Além disso, têm trechos específicos para peregrinos de bicicleta em zonas em que o trilho é complicado para circular com ela», acrescentam.
Sobre a época do ano mais adequada para pedalar até Santiago, os especialistas recomendam evitar os meses de julho e agosto devido ao calor e o inverno pela possibilidade de chuva. «Os meses ideais são abril, maio, junho, setembro, outubro e mesmo novembro», dizem na Tee Travel.
As etapas dos bicigrinos são, de forma geral, duas vezes mais longas do que as de um peregrino a pé. Assim sendo, o normal é fazer uma distância «de 50 a 60 quilómetros» por dia, explicam na Tee Travel. No entanto, como para qualquer tipo de peregrinação, é um valor indicativo, que irá depender da forma física de cada pessoa. «É preciso pensar que é um caminho longo e são vários dias encima da bicicleta», recorda Ismael Labrador.
Preparação: como treinar
Então, qualquer pessoa pode fazer o Caminho de bicicleta? «Não é um caminho muito exigente, não há demasiadas subidas. Em termos de idade, é um caminho adaptado a todos, mas é preciso estar em forma. Não é a mesma coisa sair um dia e fazer 20 quilómetros do que fazer 200 ou 300 numa semana. É preciso ter certa preparação», explica Ismael Labrador.
Em geral, «uma pessoa adulta com capacidade física média pode perfeitamente fazê-lo», indicam na Tee Travel, onde o desaconselham para crianças. Para quem não está habituado, recomendam optar pela bicicleta elétrica e começar «um treino dois a três meses antes, de 30 quilómetros por dia e com subidas».
A preparação é, de facto, um passo imprescindível para qualquer bicigrino, visto que pedalar não deixa de ser uma prática desportiva. «Para uma pessoa que não estiver habituada a fazer desporto o melhor será fazer uma prova médica. Confirmar que não tem problemas cardiovasculares, de tensão…», explicam na Tuvalum. Sobre o treino, recomendam dirigir-se a um centro desportivo.
Cuidados durante o Caminho
O facto de estar a praticar desporto também obriga a ter uma série de cuidados especiais durante o Caminho. «É importante cuidar a alimentação e a hidratação antes, durante e depois de cada etapa. Muita gente apenas bebe e come quando tem sede ou fome, mas é um erro, porque estamos a ter um desgaste físico contínuo e precisamos que os músculos estejam hidratados e com energia», explica Ismael Labrador. Neste sentido, indica que o ideal é beber cada meia hora e comer cada hora. Até seria recomendável levar alguma bebida isotónica e barras energéticas.
Outro dos passos imprescindíveis para os bicigrinos é alongar antes de começar e acabar a etapa, e em cada paragem que se fizer. Fazer descansos é, de facto, uma das recomendações dos especialistas. O número e a duração irão depender de cada pessoa, indicam. O mesmo acontece com o ritmo, que deve permitir ao peregrino pedalar de forma confortável, explicam na Tuvalum. «Também é muito importante saber regular a altura do selim e do guiador porque circular com um tamanho ou uma altura inadequada acaba em lesões», acrescentam.
Segurança rodoviária: redobrar as precauções
Sobre a segurança no Caminho, na Tuvalum preferem prevenir e recomendam fazer uma revisão à bicicleta antes de partir: «Levá-la a uma oficina mecânica e verificar que os travões e a suspensão funcionam bem, a pressão dos pneus e que a transmissão está bem lubrificada».
Após ter verificado que a bicicleta está em perfeitas condições —um passo que poderá omitir se alugar um veículo numa agência—, há uma série de indicações que é bom seguir para manter a segurança durante a rota. Em primeiro lugar, no caso de haver um trecho específico para bicigrinos é recomendável segui-lo, visto que se trata de uma alternativa a zonas de grandes desníveis ou com barreiras arquitetónicas.
Nos trilhos partilhados com peregrinos a pé, é preciso controlar a velocidade e usar a campainha —ou a voz em último caso— para avisá-los antes de os ultrapassar. Ao circular por estrada, «deverão ir bem visibilizados e colados à parte direita», explicam na Tuvalum. «Trata-se de agir como em qualquer outro momento da vida em que se circula de bicicleta: usar capacete, roupa refletora e luz. Tirando alguns trechos pequenos, não se passa por estradas com grande trânsito», resumem na Tee Travel.
Como atuar no caso de chover? Parar ou não parar é decisão de cada pessoa e de como estiver o terreno, indica Ismael Labrador. «Se houver muita lama e risco de escorregar, será melhor parar», diz. «Redobrando as precauções, não há problema. Pode-se perfeitamente fazer o Caminho com chuva, com vento… Mas é preciso ter em conta que o terreno pode ser escorregadio e ter cautela nas descidas», explicam na Tee Travel. «Em caso de alerta meteorológica, não se sai, claro», acrescentam.
Lesões frequentes e como tratá-las
Apesar dos cuidados e das precauções, pode sempre surgir alguma lesão. Da mesma forma que um peregrino a pé que pode chegar a ter bolhas embora use vaselina, um bicigrino pode escorregar embora circule com cuidado. «O maior perigo é cair e magoar-se. Não é o habitual, mas pode acontecer», explicam na Tee Travel. Por isso, recomendam levar uma caixa de primeiros-socorros com água oxigenada ou soro, gazes, um rolo de pensos para cortar e algum antisséptico (tipo Betadine).
Para além das quedas, as lesões mais frequentes nos bicigrinos «costumam ser dores articulares, nos joelhos e punhos, e dores de costas», explica Ismael Labrador, que recorda a importância de regular bem a altura do selim para evitar estes problemas. «Se for uma lesão que doer muito, o melhor será parar, ir a um fisioterapeuta ou um massagista, visto que ao forçar pode tornar-se uma lesão grave. O bom do Caminho de Santiago é que cada poucos quilómetros há hospedagens e locais de apoio», acrescenta.
Como resolver as avarias
O mesmo acontece com as avarias. Não devem necessariamente ocorrer, mas é importante saber como atuar, se for o caso. Mesmo assim, há formas de evitar algumas como os furos. «Há um tipo de rodas chamadas tubeless. Não têm câmara de ar, mas sim um líquido no interior. Em caso de furo, o líquido sai pelo buraco, veda o pneu, o que permite continuar a circular», explicam na Tuvalum.
Outras das avarias mais frequentes ocorrem na corrente, que pode chegar a romper-se. Para estes casos, Ismael Labrador recomenda levar um kit de reparação específico conhecido como «elo rápido». Além disso, aconselha incluir um lubrificante no caso de secar algum dos elementos da bicicleta.
Para quem preferir não se aventurar e fazer mecânica, as agências de viagens dispõem de serviços de assistência que cobrem estas avarias. «No caso de acontecer qualquer imprevisto a um cliente, um colega desloca-se até ao ponto onde se encontra. Se já estiver numa aldeia, indicamos-lhe a oficina de confiança», explicam na Tee Travel.
Na agência argumentam a seu favor e recomendam contratar alguma empresa que organize o Caminho: «O objetivo é vivê-lo e desfrutar da melhor forma possível, que a única preocupação seja de pedalar». Tirando a publicidade, recordam que neste ano Jacobeu não é aconselhável aventurar-se: «É melhor organizá-lo com antecedência, embora seja de forma pessoal, porque há datas em que não há disponibilidade de alojamento». Na Tuvalum dão um conselho parecido: «Não é um desafio desportivo nem nos vão dar nenhuma camisola amarela por chegarmos o primeiro. Trata-se de desfrutar do Caminho».